Sempre que escrevo um poema, um poeta de verdade se remexe no túmulo, por dor ou por pena

domingo, 27 de novembro de 2011

o fim

“Meu próprio grito ecoou-me o dia todo no cérebro; até eu ter a certeza de que na esquina de uma rua qualquer eu me encontraria como de costume com ela, dando-me por satisfeita ao vê-la sumir ao longe”
o misterioso caso de miss v.
v. woolf


Olhando a pequena escrivaninha, a parede borrada de desenhos e reportagens de jornal. Passou o dia todo pensando em como se contentava com pouco e pensando também nas possíveis conseqüências geradas por essa atitude involuntária. Aquele mesmo sorriso que poderia perpetuasse por longos dias, ou o abraço que não precisaria de se repetir com freqüência. Pensou também por certo tempo nos amores que logo lhe apareciam e sumiam e passavam como os ponteiros do relógio. E nessas horas que lhe aquietava o espírito lembrava-se que de longe nem mesmo a dor era tão intensa, e que a saudade quando teimava em aparecer era substituída por um livro de romance qualquer que retirava da estante.

O espelho já não refletia a pessoa de anos atrás, tanto que de longe nem a reconheceria. O fato de perceber a facilidade em trocar pessoas por livros por um instante a incomodou, mas não tempo suficiente para fechar o livro e aceitar o convite de passeio.

Aos poucos tentou juntar pequenas atitudes ou gestos mentais que colocasse algum ponto positivo na balança das pessoas que tinha do outro lado a não existência delas, essa com muitos pontos. Nesses instantes em que se deitava e olhava para parede manchada de desenhos e reportagens de jornal algumas ideias malucas passavam por sua cabeça. Pensava em se casar e ter filhos ou ser crítica literária, nunca as duas coisas.

Um dia ao acordar de um pesadelo, ou talvez ainda estivesse nele, todas os desenhos e reportagens haviam sumido, e também a escrivaninha, e também seu coração. Ecoavam pelo quarto notas musicais de uma melodia fúnebre. Foi nesse dia que decidiu dar uma volta no parque, todavia, nada de inusitado aconteceu e teve mais uma vez a certeza que dentro do seu mundo as coisas eram bem melhores.

Não poderia dizer que com isso tornara-se uma pessoa amarga ou ressentida, era simplesmente o caso de não querer companhia. Na verdade, esses adjetivos só eram colocados por pessoas que pensavam que para qualquer pessoa há outra e que não é possível ser feliz sozinho. É certo, porém, que ainda que o seu atual estado não correspondesse ao pleno de felicidade não se sentia triste.

Esse talvez tenha sido o resultado de alguns poucos anos de sofrimento, contudo, suficientes para perturbar o mais são dos espíritos. De fato, se fossem esses os pressupostos para dizer que uma pessoa era ou não ressentida poderíamos dizer agora que a nossa personagem o era em último grau.

Nesse entremeio de pensamentos percebeu de repente que sua roupa manchara-se de sangue, e não sabia de onde vinha, e nem como aconteceu de se machucar. Poderíamos dizer, talvez, que o sangue viera após todo esses pensamentos que lhe acometeram o espírito no instante em que criou a máscara de não sofrimento, naquele mesmo instante em que disse que a saudade e a dor não eram intensas. Não poderia viver sem o sorriso dela, ou o abraço dele, ou as frases de outro. Não poderia viver sem alguém, nem mesmo – por menor que seja - sem a sombra desse alguém.

Tudo acabou no momento em que tentou se convencer de que sua própria existência era suportável. Acaso não tivesse tentando se convencer dessa situação - ou criar motivos para – teria continuado a viver.

Só vive quem não cria justificativas ou tenta velar a dor.


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