Sempre que escrevo um poema, um poeta de verdade se remexe no túmulo, por dor ou por pena

quinta-feira, 8 de março de 2012

o quase demônio da perversidade

“Não existe paixão na natureza que seja tão demoniacamente impaciente como a daquele que hesita à margem de um precipício, meditando sobre se há de saltar ou não. Deter-se, ainda que por um momento, na contemplação desse pensamento, é estar inevitavelmente perdido; porque a reflexão nos ordena afastar-nos sem demora e portanto, exatamente por isso é que não podemos. Se não houver um braço amigo que nos ampare, ou se não fizermos um esforço súbito para nos afastarmos do abismo, saltaremos e seremos destruídos.”
O demônio da perversidade
Edgar Allan Poe

Ante o impulso de se jogar ou não do precipício outros tantos são capazes de perverter o sentimento humano. E nesse caso não há ombro amigo e nem esforço súbito para afastar-se. O demônio da perversidade ora capaz de tantas atrocidades com o outro se torna ainda mais imbatível quando age por um impulso que não teria surgido caso não existisse a situação desencadeada por seu rival.

Tal sentimento ignóbil se a pouco chama-se amor não passa da fraude mais barata, uma falácia em maior grau. Tudo se passa quando um outro o procura, você nesse momento tem todas as cartas na manga e pode ganhar ou perder o jogo, quer dizer, pode fazer com que o outro ganhe ou perca. Nesse momento você, dono da situação, não poderá perder a oportunidade de se mostrar no topo da pirâmide. Começa assim o jogo em que cabe ao outro arrastar-se até que tenha o corpo coberto de sangue. Nesse entremeio todo charme é necessário para que o jogo dure tempo necessário para o segundo passo.

O segundo se trata da parte mais aprazível para o causador do sofrimento. É nesse momento que você finge, inventa, fabula um gostar ao mesmo tempo que pede para o outro ir embora. Este, após mais uma vez se arrastar até o sangue às vezes recebe uma carta ou algumas explicações. Estas explicações falaciosas são importantes, uma vez que, através delas você tem a ressalva para um posterior arrependimento.

Ora, esse arrependimento só acontece quando você percebe que o outro não é tão tolo e imperceptível quanto se pensava. Está aí a importância do terceiro elemento, pois através dele você nota algo que não havia notado anteriormente. Sob esse prisma só há, portanto, uma falácia inscrita em outra; um falsário supremo.

Ademais, com o surgimento do terceiro elemento a narrativa torna-se mais interessante. Nesse momento você, e seu sentimento ignóbil, arquiteta uma trama de retorno. Essa trama é importante porque através dela você atinge o fim esperado, toda perspicácia é preciso. Todo erro do outro pode ser usado nesse momento como o estopim da guerra.

Você deve se agarrar ao mínimo detalhe e deve saber usá-lo no momento certo. Não se pode negar nesse momento que algo realmente tenha acontecido. Mas um sentimento surgido após a percepção do outro seria da mesma forma justo? Se o terceiro elemento não houvesse também criado uma situação de risco teria o outro se entregado ao falsário?

Todas essas perguntas permanecem evidentemente sem resposta, e tantas outras podem também ser feitas. O demônio da perversidade age nesse momento mostrando sua face mais oculta. Tudo dará certo, é claro, os demônios se usam de todas as armas até que um dia o terceiro elemento desapareça, ou, apareça ainda um quarto que pode se envolver tanto em um quanto em outro lado.

Esse não é o caso da natureza demoniacamente impaciente que hesita sem saber se deve ou não pular do precipício, é o caso de outra infinitamente pior, que hesita se deve ou não jogar o outro do precipício e esperar que ele estilhace e se encha novamente de sangue.


11 de outubro de 2011

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