Sempre que escrevo um poema, um poeta de verdade se remexe no túmulo, por dor ou por pena

sábado, 12 de fevereiro de 2011

• Itinerário

Pudesse escolher entre ser feliz e ser feliz. Pudesse quem sabe dizer o que é este desejo súbito de viver. Atingiria o controle absoluto e não mais estaria sujeito as peripécias do destino. Desde não sei quando sentia-se assim, sem aborrecimentos. Após descobertas que um dia julgaria catastróficas decidiu que escreveria um texto. Três linhas, Del. Não tinha tempo para aborrecimentos. Não tinha dó, piedade, só esse desejo súbito de viver. E nesse desejo súbito não cabia olhar o passado, não cabia nem mesmo perder tempo com presentes certos demais. Queria o incerto, o não te ligo amanhã, não espere. O colocar de caminhos traçados incomodava. Da carreira poderia saber, de amores não mais. Nada de te pego na escola e encho a tua bola com todo meu amor, nem daqueles de fugir pra outro lugar baby. Queria os clandestinos. Os incertos. Os com vírgulas e pontos onde bem entendesse. Sim, podemos ser somente amigos e não me ligue, não me procure, não me toque. Por enquanto deixa eu brincar de ser feliz, pintar o meu nariz e todo o resto.

Amar a nossa falta mesmo de amar,
e na secura nossa amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita.
( Carlos Drummond de Andrade )