Sempre que escrevo um poema, um poeta de verdade se remexe no túmulo, por dor ou por pena

domingo, 22 de dezembro de 2013

no light, no light




Quem dera eu
Pudesse escrever uma carta de morte
Tão bonita quanto a da Virginia
“ninguém poderia ter sido mais felizes do que nós fomos”
Eu que já nem sei o que é felicidade
Tampouco sei de escrever cartas

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

talvez a loteria da babilônia

Acredito que o livro, o texto, enfim, a leitura, exerça sobre nós uma espécie de atração desconhecida. Como um Deus que trabalha na obscuridade. Não são raros os casos em que, pouco depois de lermos algo, escutamos referências a ele, sem que isso seja pré-programado. Ou os casos em que entramos em bibliotecas e temos nosso olhar desviado para um livro de nosso interesse. Ontem mesmo, por um acaso, após fazer meu chá de hortelã – porque decide entrar de vez no mundo da velhice precoce – retirei da estante de livros o Outras Inquisições, e também por um acaso li o conto A muralha e os livros. O conto, de Jorge Luis Borges, fala sobre um imperador da China que mandou construir a Grande Muralha e queimar todos os livros escritos antes de seu reinando. Não por acaso, pensando assim nesse caso de um Deus trabalhando na obscuridade, esse conto é a chave fundamental para se compreender um texto que preciso mediar amanhã, na aula de América. Se não tivesse recordado o conto borgiano, que tirei do livro que estava na prateleira, não compreenderia o texto – por sinal bastante complexo – da aula de amanhã.
 
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“Minha solidão se alegra com essa elegante esperança.” 
(a biblioteca de babel, jorge luis borges)

terça-feira, 26 de novembro de 2013

um sentido que seja



procurando um sentido para que a vida faça sentido
uma vida para que tenha sentido
um sentido para que se tenha vida
um meio sentido de vida
uma vida

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

(per)cursos na Biblioteca de Babel



Esse não será o conto da página 516, das Obras Completas I, da classificação decimal 860(82) B732o.
A classificação decimal consiste em designar por números cada um dos grupos pelo nome do assunto que lhe é próprio. O conjunto dos conhecimentos humanos é inicialmente dividido em dez classes, cada uma por um algarismo, começando com o 0. Assim temos 0 – Obras gerais, 1 – Filosofia, 2 – Religião/Teologia, 3 – Ciências Sociais e Direito, 4 – Filologia e Linguística, 5 – Ciências matemáticas e naturais, 6 – Ciências aplicadas e tecnologia, 7 – Bellas Artes, 8 – Literatura, 9 – História e Geografia. Cada uma dessas classes é subdividida  a partir de outras classificações, e assim por diante...
Estamos na Biblioteca, no terceiro andar, a coluna do lado direito de quem sobe as escadas está dividida em vinte e duas fileiras. Cada fileira tem cerca de doze estantes com seis prateleiras cada, todas praticamente completamente ocupadas por livros. Começa em 60 – Ciências aplicadas e Tecnologia e vai até o 9  e tantos. Na verdade termina com Yan/Ari 2632, que não sei do que se trata. Passamos, portanto, por várias áreas, de bellas-artes, arquitetura, até chegarmos a Literatura – 8, quinta estante, quinta prateleira. A ficha colocada logo acima da estante indica Literatura espanhola, a quinta prateleira é praticamente toda ocupada por livros do Sr. B. Abaixamos para olhar melhor os títulos. Alguém mexeu no IV volume das Obras Completas, 860(62) B732o. Olhando de perto a estante percebemos que também possui livros do Sr. C, 860(82) B616i, seu amigo. Agora já estamos sentados no chão. Se a vista lhe possibilita olhar para a estante quatro, primeira prateleira, perceberá que o volume mais grosso é Martín Fierro. Também na quarta estante você encontrara livros de Mario Vargas Llhosa.
Você é levado a  olhar, nessa mesma estante, a quinta prateleira, Sophia de Mello Breyner Andresen, 869.0 A561p. Você pega o volume I Obras Completas 860(82) B732o, se o tempo permite você também leva o 869.0 A561p. Você se levanta e caminha pelo corredor no mesmo sentido que entrou, rumo a alguma mesa. Você passa por Samuel Beckett, por Camus, do seu lado direito. De repente a primeira estante do lado direito lhe chama atenção. A primeira prateleira está coberta por livros do Kafka, existem mesmo volumes em alemão. Espere, a segunda também! Exceto por uma edição grande de Thomas Mann, Os Buddenbrooks, 830 M282buP. Seu olhos são levados para a prateleira debaixo, um volume também grosso de A montanha mágica 830 M282zP. Só agora você percebe que a letra inicial dessa segunda sequência corresponde ao sobrenome do autor: A561p, Andresen; M282buP, Mann; B616i, Bioy Casares. Olhando um pouco abaixo você pode encontrar livros de Raine Maria Rilke, abaixo Bertolt Brecht. Quando você percebe já está abaixado olhando a  estante.
Você nem saiu do corredor e se olhar para o lado esquerdo encontrará Fernando Pessoa. Sim, o cara de bigodinho. Ele começa a conversar com você, de repente é outro. Um tal de Álvaro de Campos. Ele pede que você o acompanhe até Poe, um cara que ele traduziu. Você agradece, mas diz que está com um pouco de pressa.
Você se despede e se senta na primeira mesa (na cadeira, obviamente), ainda próximo de Literatura, porque assim fica mais fácil sentir a vibração empoeirada de alguns livros que talvez ainda não foram abertos, exceto para colocar a etiquetinha em número decimal. Você está com o livro do Sr. B e da Sra. A. embora quisesse chamá-la de Sra. S.
Você ficou quase 15 minutos conversando com Fernando Pessoa, ele disse algo como “tudo vale a pena se a alma não é pequena”. Ele quase te levou para conhecer Poe, mas você disse que estava com um pouco de pressa. Sentado na mesinha tentando ler alguma coisa da Sra. S – sim, você vai chamá-la de Sra. S – de repente aparece do seu lado direito o Sr. Bloom. Ele carrega seu livro O cânone Ocidental. Começa a falar com você e de repente cita uma tal Sra. W, que mesmo meio século após sua morte não tem concorrentes nem entre as escritoras vivas. Então ele te leva à prateleira onde estão os 820. A Sra. W não está porque foi dar uma volta em Londres. O Sr. Bloom lhe diz que a Sra. W sofreu grande influência do Sr. S, que está na mesma estante que ela. É uma pena que o Sr. S também tenha saído um momento para ir ao banheiro.
Você precisa voltar e sentar para ler o livro do Sr. B. No caminho de volta ainda encontra Carllyle, Faulkner e Fitzgerald, eles estão conversando. Você esbarra sem querer em um deles e deixa cair um papel que carregava. Quando abaixa para pegar está diante da quarta estante e encontra Moby Dick 820(73) M531mP, o livro, porque veja bem, possui uma etiqueta decimal. O Sr. S não estava, mas você foi praticamente onde tudo começou, explica o Sr. Bloom.
Você se despede e procura uma mesa afastada das vibrações empoeiradas de livros intactos. Alguns autores precisam dormir enquanto você lê outros. Se andares muito tempo pelos corredores da Biblioteca pode ser que todos acordem ao mesmo tempo e comecem a conversar com você, o que seria deveras caótico.
É a Biblioteca da Universidade CEP 38408-168, mas poderia ser qualquer uma.

“A Biblioteca é ilimitada e periódica. Se um eterno viajante a atravessasse em qualquer direção comprovaria ao fim dos séculos que os mesmos livros se repetem na mesma desordem (que, reiterada, seria uma ordem: a Ordem). Minha solidão se alegra com essa elegante esperança.”
Obras completas I, p. 532, do Sr. jorge luis Borges, 860(82) B732o

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

domingo, 6 de outubro de 2013

In your eyes

In your eyes
                                       o céu e estrelas
de uma noite límpida após a tempestade

a melancolia
   da tarde cinérea e fria de uma estação

um esboço de sorriso
                                           alvar

os tons
                 de cores da cidade, vivificados
vermelhos

repeat,   repeat,    repeat

the water,
                  the waves, o cais

a beleza, cuidadosamente revelada
               In your eyes, the sweet, my darling.

segunda-feira, 30 de setembro de 2013

do ocaso

Tudo tem seu fim
a noite bem-dormida
o lençol amassado
as roupas jogadas pelo chão

Pelas frestas o sol que entra através da janela do quarto
(seu quarto
meu quarto
nosso quarto de dormir)
ilumina seu corpo nu

Outrora encontrávamos em um ritmo febril
nossos dedos entrelaçados
nossos corpos convulsos

se inventaram no quase invisível

A voz macia, o riso doce
não são mais comoventes
Ora, até isso tem seu fim.