Sempre que escrevo um poema, um poeta de verdade se remexe no túmulo, por dor ou por pena

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

vero

Notei de repente que algo mudou esta semana. Não saberia dizer agora o que de especificamente ruim aconteceu para que de uma hora para outra algo se perdesse quase sem possibilidade de volta, pelo menos não de imediato. Nos últimos momentos da noite muitos queriam se afundar em uma boa dose de qualquer bebida forte. Inéditos frente o outro pessoas de repente se descobriram, ou se encobriram, ou criaram uma nova máscara sob a antiga, ou se caracterizaram. Em vestes do acaso tentaram se lançar, tudo em vão. Entre um copo e outro nenhum futuro promissor. Apenas as memórias criadas ou recriadas de um passado que insistiu em deixar marcas. Um dia inventamos que teríamos tempo para estudar, hoje inventamos que teremos tempo para amar. Por vezes pego-me inventando uma nova forma de viver, por vezes todos nós. Ainda não inventaram um remédio para os desesperados. Aquela noite no bar não tocou nenhuma música triste da madrugada, e não precisava. Mal imaginamos o esforço que é feito todo dia para (re)invetar viver, e nem sempre dá certo. Percorremos todos os dias os piores caminhos sem saber se há no final um pote de ouro. Tantas vezes sufocamos o amor que teima em surgir com pressa. Peço por não me tornar uma pessoas dessas em que o coração quase não bate. Entorpecidos naquela noite tentamos inventar uma nova forma de amar, mas nada funcionou. Quem quer fazer de toda vida uma nova acaba sem viver vida nenhuma. Acaba sem amar, mas talvez por isso mesmo acabe sem sofrer. E hoje, quando despedi-me de você percebi que algum lugar ficou perdido, em um buraco negro – e por isso mesmo – que nunca se pode resgatar. Hoje quando te abracei lembrei-me da noite no bar. Tão p e r t o, tão longe. Quem sabe um dia iremos sentar e descompromissadamente admirar a vida. Mas só nostalgia é o que tem pra hoje.



Chovia nas ruas do meu coração
Fora dos trilhos, cidades


Lua cheia clareava
Imaginei que sonhava
E era tudo real”

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

o conto mais triste do mundo

Descansa: pouco te chorarão...
O impulso vital apaga as lágrimas pouco a pouco,
Quando não são de coisas nossas.
Quando são do que acontece aos outros, sobretudo a morte,
Porque é a coisa depois da qual nada acontece aos outros.

(Fernando Pessoa/Álvaro de Campos)

Pode entre o amor e a amizade alguém escolher o segundo? Eu respondo que não, e essa como todas as histórias do mundo não pode ser diferente. E não pode ser diferente não porque as personagens sejam comuns, porque não são, é simplesmente pelo fato de que no fim as justificativas para a felicidade sempre se encontram ligadas ao primeiro.

Já ia dar aquela coisa escura no coração, de quem perde alguma parte dele, sem nem mesmo saber por quê. E o que seguiria desde então seria um discurso dos amantes mal amados, que, creio não ser a questão. E ele diria coisas tolas como tudo se ajeita no final e sorriria como se sorri às pessoas de que se gosta muito. Lentamente ela sentiria que seu coração havia enfim se acalmado e conversariam sobre os últimos livros lidos.

No entanto, esse não é um dos casos em que a tristeza e a decepção podem ser substituídas por um sorriso e um abraço. E ela recusaria o abraço e partiria. Ele, mesmo imóvel, sentiria que naquele momento o fio que os ligavam havia se partido, e, dessa vez sem nenhuma chance de volta. E a chuva indicaria o fim de algo que sequer chegou a ser.

E não porque não o amasse, ou porque não o quisesse bem, ou porque ele havia deixado de ser seu melhor amigo, mas, porque não sabia mentir.

E não há, agora, motivo para os verbos das frases acima estarem no futuro do pretérito...

Escreveu a última carta, quase um bilhete, quase um apelo: - Desculpe, mas não posso morrer com você.

Nesse instante descobriu qual era o gosto que insistia em aparecer em seu paladar durante toda semana: era o de morte.

domingo, 27 de novembro de 2011

o fim

“Meu próprio grito ecoou-me o dia todo no cérebro; até eu ter a certeza de que na esquina de uma rua qualquer eu me encontraria como de costume com ela, dando-me por satisfeita ao vê-la sumir ao longe”
o misterioso caso de miss v.
v. woolf


Olhando a pequena escrivaninha, a parede borrada de desenhos e reportagens de jornal. Passou o dia todo pensando em como se contentava com pouco e pensando também nas possíveis conseqüências geradas por essa atitude involuntária. Aquele mesmo sorriso que poderia perpetuasse por longos dias, ou o abraço que não precisaria de se repetir com freqüência. Pensou também por certo tempo nos amores que logo lhe apareciam e sumiam e passavam como os ponteiros do relógio. E nessas horas que lhe aquietava o espírito lembrava-se que de longe nem mesmo a dor era tão intensa, e que a saudade quando teimava em aparecer era substituída por um livro de romance qualquer que retirava da estante.

O espelho já não refletia a pessoa de anos atrás, tanto que de longe nem a reconheceria. O fato de perceber a facilidade em trocar pessoas por livros por um instante a incomodou, mas não tempo suficiente para fechar o livro e aceitar o convite de passeio.

Aos poucos tentou juntar pequenas atitudes ou gestos mentais que colocasse algum ponto positivo na balança das pessoas que tinha do outro lado a não existência delas, essa com muitos pontos. Nesses instantes em que se deitava e olhava para parede manchada de desenhos e reportagens de jornal algumas ideias malucas passavam por sua cabeça. Pensava em se casar e ter filhos ou ser crítica literária, nunca as duas coisas.

Um dia ao acordar de um pesadelo, ou talvez ainda estivesse nele, todas os desenhos e reportagens haviam sumido, e também a escrivaninha, e também seu coração. Ecoavam pelo quarto notas musicais de uma melodia fúnebre. Foi nesse dia que decidiu dar uma volta no parque, todavia, nada de inusitado aconteceu e teve mais uma vez a certeza que dentro do seu mundo as coisas eram bem melhores.

Não poderia dizer que com isso tornara-se uma pessoa amarga ou ressentida, era simplesmente o caso de não querer companhia. Na verdade, esses adjetivos só eram colocados por pessoas que pensavam que para qualquer pessoa há outra e que não é possível ser feliz sozinho. É certo, porém, que ainda que o seu atual estado não correspondesse ao pleno de felicidade não se sentia triste.

Esse talvez tenha sido o resultado de alguns poucos anos de sofrimento, contudo, suficientes para perturbar o mais são dos espíritos. De fato, se fossem esses os pressupostos para dizer que uma pessoa era ou não ressentida poderíamos dizer agora que a nossa personagem o era em último grau.

Nesse entremeio de pensamentos percebeu de repente que sua roupa manchara-se de sangue, e não sabia de onde vinha, e nem como aconteceu de se machucar. Poderíamos dizer, talvez, que o sangue viera após todo esses pensamentos que lhe acometeram o espírito no instante em que criou a máscara de não sofrimento, naquele mesmo instante em que disse que a saudade e a dor não eram intensas. Não poderia viver sem o sorriso dela, ou o abraço dele, ou as frases de outro. Não poderia viver sem alguém, nem mesmo – por menor que seja - sem a sombra desse alguém.

Tudo acabou no momento em que tentou se convencer de que sua própria existência era suportável. Acaso não tivesse tentando se convencer dessa situação - ou criar motivos para – teria continuado a viver.

Só vive quem não cria justificativas ou tenta velar a dor.


terça-feira, 15 de novembro de 2011

deixa o amanhã

“... indignando-se, quem sabe, uma vez a cada 15 dias, e depois aquietando-se como se aquietava agora.”
A Viagem – Virginia Woolf

Talvez, e na verdade havia passado pouco tempo, e agora assim deitada olhando para o teto como era de costume, perguntava-se como tudo passou tão rápido. Subverteu um sentimento que pensou nunca mais se extinguir. Não poderia sequer fazer uma pequena retrospectiva de como tudo caminhou, parecia enfim, que entrava em uma existência superior. Um dia, sequer se lembraria desse sentir que por alguns segundos a atormentara. Mistério maior seria descobrir como depois de tantos gestos e palavras medíocres não houve a ruptura fatal. Um dia meio triste, meio cinzento, meio qualquer coisa.

Um dia compreenderia que não existe uma pessoa completamente boa ou sem defeitos. Nas noites de inverno perceberia que não era regra ter alguém para tomar chocolate quente frente à lareira. Compreenderia, um dia, que quando pegasse o telefone para pedir ajuda ele não atenderia, não se importaria, não retornaria.

Daquele ser despido de qualquer sentimento nada poderia exigir.

Quase sentiu medo quando percebeu que poderia o ter perdido para sempre - que poderia ter perdido o garoto que um dia ela conheceu e sentou-se ao lado em um banco de praça qualquer - mas, agora não sentia nada. Somente aquelas pequenas agulhadas incomodavam vez ou outra quando ele quase que de propósito dizia ou fazia as piores coisas do mundo somente pelo simples prazer de sofrer.

bandolins

“Como fosse um par que nessa valsa triste se desenvolvesse ao som dos bandolins...
( Bandolins – Oswaldo Montenegro )

Então a noite chegara e como é de costume nesses tempos frios, decidiu dar uma volta pela cidade. O ar gélido em seu rosto a fazia lembrar dos invernos passados com a família a beira do lago congelado, e os bonecos de neve e todo o resto. Mas parecia que não iria nevar e só restava, portanto, o frio que queimava seu rosto e o silêncio na rua como se fosse tempo de reclusão. A princípio não havia se acostumado com esse ritmo em que olhares que se cruzavam poderiam nunca mais se encontrar, mas, com o tempo tudo tem seu remédio. Os passantes apenas se misturavam às luzes da cidade. De vez em quando algum barulho cortava a monotonia que era caminhar pelas ruas à noite, ainda que estas estivessem cheias de pessoas.

Pensou por um instante nessas pessoas. Onde estavam indo? O que fariam? Teriam elas um café quente e um amor quando chegassem em casa? E os solitários que por um instante não o estavam ao se misturarem aos demais transeuntes, o que fariam depois? Seriam ainda solitários em meio a tantas pessoas ou a solidão se daria apenas no momento em que abriam a porta de seu apartamento e não encontravam ninguém? Poderiam chamar esse local de lar?

As vitrines das lojas embaçadas pelo frio, lá dentro talvez, as pessoas estivessem felizes por mais uma noite de inverno em que poderiam tomar chocolate quente aos pés da lareira. Mais bonito seria se fosse Natal, todas aquelas luzes e os enfeites da cidade, e as árvores que poderiam ser brancas e verdes e coloridas ao mesmo tempo como em nenhuma outra época do ano. Poderia simbolizar um futuro melhor e talvez fosse esse mesmo o significado. Certo ou não, as pessoas por ora acreditavam. Ela ao contrário nunca tivera muita paciência com o Natal e nem mesmo com a passagem de ano, o novo a assustava, talvez por algum motivo. Em meio a esses pensamentos percebeu que se tornara por um instante vagamente frágil.

Continuou andando, aos poucos a grande aglomeração de pessoas passeando se resumia a pequenos grupos e alguns casais. O inverno era bonito porque as pessoas se aproximavam, isso desde os primórdios da existência, quando era preciso sobreviver. Hoje as pessoas ainda se ajuntam para sobreviver, mas não porque morreriam de frio.

Ao longe podia avistar uma roda de amigos que conversava, à porta de um Café. Não teriam muito o que fazer essa noite, com todo esse frio, pensou. Talvez a melhor ideia fosse ligar para algum amigo e propor uma ida ao café, mas as suas mãos agora quase se congelavam de frio e a melhor opção seria deixá-las dentro dos bolsos. E iria afinal, sozinha ao café.

Lá dentro, no café, realmente estava mais quente do que na rua. A decoração do local se assemelhava a qualquer coisa que lembrasse a década de sessenta, tons amarelos que se misturavam a vermelhos harmoniosamente. Um grande balcão de vidro onde se encontrava uma série de guloseimas. As mesas cercadas por banquinhos redondos completavam a decoração. Pensou que a pouco encontraria alguém com uma fita no cabelo. Não apareceu ninguém, a garçonete vestia uma roupa amarela e tinha uma fita no cabelo, mas nada indicava que ela havia voltado no tempo e parado em um café dos anos sessenta.

- Bonne nuit madame, s’il vous plait

- Je veux deux brioches et un café

Enquanto esperava percebeu que o local aos poucos se enchia, assim como a cidade lá fora. Parecia que todos estavam à espera de um acontecimento, pré-programado. De repente, um rapaz pediu para sentar-se ao seu lado. Logo o café chegou e distraída como estava sequer trocou uma palavra com ele, na verdade, nem o reparara direito.


Continua...

sábado, 29 de outubro de 2011

conto taciturno

Este é um tempo de silêncio. Tocam-te apenas. E no gesto
te empobrecem de afeto. No gesto te consomem.
Tocaram-te, nas tarde, assim como tocaste,
adolescente, a superfície parada de umas águas?
Tens ainda nas mãos a pequena raiz,
A fibra delicada que a si se construía em solidão?

Hilda Hilst

De repente aquele cheiro entrou pelo quarto, cheiro que a pouco pensara que nunca mais sentiria. A chuva serviu de pretesto para não sair de casa, pois, agora após tanto tempo e com o coração gélido não poderia se negar a sentir aquele cheiro exato. Trancou todas as portas e deitou-se. Seria um sinal? Após a chuva viria o arco-íris, mas isso agora não faria a menor diferença. Nem todo o céu límpido seria mais importante que o momento que finalmente havia se repetido após tanto tempo.

Confessara em silêncio que aquele era um momento que poderia ser o anterior a morte. De nada adiantaria viver sem poder sentir ao menos vezenquando aquele cheiro, o cheiro exato dele. Pode ser que após tanto tempo já não se tratasse mais do mesmo cheiro que sentiu quando o viu pela primeira vez. Pode ser que após tanto tempo apenas inventou um outro cheiro qualquer que serviria apenas para recriar os momentos em que a saudade aumentava tanto.

Ela que a pouco se queixava da solidão, agora sentia aquela mesma do momento da partida, quando ele disse que não mais voltaria. Decidiu nesse dia morrer, ou, viver ainda mais, com mais intensidade. Nenhuma promessa foi cumprida, e às vezes pegava-se pensando como tudo poderia ter sido diferente.

Aquela sombra que faziam os dois ao lado da cama no canto da parede nunca mais foi a mesma. Foi quando todas as coisas se dissolveram e sabia que desse caminho não haveria volta. E o amava muito a ponto de deixar qualquer caminho, ainda que nesse a felicidade fosse certa. Mas de nada adiantou.

Lembro-se dos momentos em que desejava ardentemente as horas que passavam naquele quarto, sob a penumbra. E por um instante passou por sua cabeça todo um filme, e parecia agora que tudo se repetia. Voltou os olhos para o relógio, mas percebeu que as horas não estavam paradas. O seu sonho afinal era apenas um sonho.

Começou a chorar.

Pensou que após tanto tempo as lágrimas finalmente haviam secado, mas enganou-se mais uma vez. Chorava agora não pelo que foi, muito menos pelo que poderia ter sido. Chorava enfim porque aquela saudade doía e sabia que cada vez que a brisa trouxesse aquele cheiro doeria da mesma forma e como se fosse a primeira vez.

Mas não era rara essa sensação de morte interna e logo depois de uma petição à vida, embora tivesse medo que essa petição deixaria de se dar uma hora. E pensou nisso de chorar e sentir saudade toda vez que sentisse o cheiro dele, só que agora percebeu que alguma coisa lá no fundo doía mais. E doía não porque um ou outro decidiu não mais ficar junto. Doía porque ela sabia que a qualquer momento não mais doeria e o sentir nada seria pior que qualquer pedido de volta.

E só, muito só, repetiu baixinho implorando que alguém ouvisse: “Ah como eu queria parar o mundo agora, só para poder te abraçar!”

sábado, 22 de outubro de 2011

ela disse adeus


Pela rua, carros e postes. Cabelo ao vento e o corpo tatuado. Andou por ruas que não conhecia e visitou bares esperando encontrar no rosto de alguém o rosto exato dele. Foi a festas esperando encontrar no corpo de alguém o mesmo corpo que há pouco lhe dava abrigo. Vinte dias haviam se passado desde que anunciara o derradeiro fim. Uma nova tatuagem no corpo marcaria o espaço de uma vida.
Pela janela aberta em que ele se debruçou na mesma espera inútil em que ninguém apareceu, ele a viu partir.
Dias depois o encontraram caído perto dos livros. Estava morto.
Quando ela recebeu a notícia não poderia esboçar mais nenhuma reação. Nada poderia ser feito. Ninguém muda o que está escrito. Nem paz nem culpa no coração. Nenhuma reação.


“Ela disse adeus, e chorou,
já sem nenhum sinal de amor.
Ela se vestiu, e se olhou;
sem luxo, mas se perfumou.
Lágrimas por ninguém,
só porque, é triste o fim.
Outro amor se acabou”

o vento

“Se a gente já não sabe mais rir um do outro meu bem então o que resta é chorar”, foi o que estava escrito no papel antes de virar um barco e ser colocado na água. Simulou um cais. Simulou pensamentos bons que seriam levados pelo vento e a água. Contornou aquele curto espaço de tempo que ainda restava de vida só para tentar simular um mundo melhor para ele. Tudo em vão. Agora sozinho em seu quarto pensava ser apenas restos de uma história que não foi. Nenhum esforço súbito de vida seria suficiente para que ela fizesse com que ele pensasse o contrário. E ela não faria, não falaria. Não gostava do estrago, de escândalos ou de fofocas. E não preveria mais nada e nem acreditaria na vontade cósmica do universo. Tudo se ajeita no fim. Talvez em algum ponto a amizade tenha sido irremediavelmente perdida. Talvez tudo, talvez nada.

Deitou-se na grama molhada e desejou um mundo melhor. Era só um desejo e só havia aquela frase no papel, e ainda assim, este não chegaria à outra margem, era só um barco de papel afinal. Era só a simulação de um cais.


"Como pode alguém sonhar
o que é impossível saber?
- Não te dizer o que eu penso
já é pensar em dizer
e isso, eu vi,
o vento leva!"

domingo, 16 de outubro de 2011

adeus você

Pegou o primeiro trem e partiu para lugar nenhum. Ora, assim fica certo já que nunca veio de lugar algum. Sem nome, sem endereço, sem telefone. Andou pelas ruas da cidade uma última vez. Abraçou-o como se fosse o derradeiro fim. Sentiu por um instante todo o amor do mundo. Foi até o cais só para olhar o mar, só para fazer um pedido ao acaso. Que de nada adiantaria. Subiu até o prédio mais alto e se apoiou no parapeito, mas, sequer chegou a pensar em pular. Deu a sua última volta entre as pessoas. Lembrou-se de sentimentalismos baratos. De sentimentalismos, baratos. Do abismo que é deixar de sentir pensou que nunca mais voltaria. Voltou somente para encontrá-lo, e talvez fosse assim, ele estava esperando por ela todo o tempo. Esperando para que ela pudesse amá-lo sem justificativas, sem espera, sem pedir nada em troca. Ele estava lá o tempo todo, vagando, perdido, pedindo socorro. Ela apareceu, parecia tão bonita. Nada poderia impedir esse encontro, essa entrega. Nada poderia impedir a posterior fuga, recusa. Andou ela pela cidade uma última vez, lembrando-se de cada gesto, cada palavra, cada lugar, cada momento. Desejou pela última vez nunca tê-lo conhecido. Pegou o primeiro trem e partiu para lugar nenhum. Não haveria mais razão para sobreviver. Sem nome, sem endereço, sem telefone, sem coração.



“Adeus você
Eu hoje vou pro lado de lá
Eu tô levando tudo de mim
Que é pra não ter razão pra chorar
Vê se te alimenta
E não pensa que eu fui por não te amar”

domingo, 9 de outubro de 2011

o quase demônio da perversidade

“Não existe paixão na natureza que seja tão demoniacamente impaciente como a daquele que hesita à margem de um precipício, meditando sobre se há de saltar ou não. Deter-se, ainda que por um momento, na contemplação desse pensamento, é estar inevitavelmente perdido; porque a reflexão nos ordena afastar-nos sem demora e portanto, exatamente por isso é que não podemos. Se não houver um braço amigo que nos ampare, ou se não fizermos um esforço súbito para nos afastarmos do abismo, saltaremos e seremos destruídos.”
O demônio da perversidade
Edgar Allan Poe

Ante o impulso de se jogar ou não do precipício outros tantos são capazes de perverter o sentimento humano. E nesse caso não há ombro amigo e nem esforço súbito para afastar-se. O demônio da perversidade ora capaz de tantas atrocidades com o outro se torna ainda mais imbatível quando age por um impulso que não teria surgido caso não existisse a situação desencadeada por seu rival.

Tal sentimento ignóbil se a pouco chama-se amor não passa da fraude mais barata, uma falácia em maior grau. Tudo se passa quando um outro o procura, você nesse momento tem todas as cartas na manga e pode ganhar ou perder o jogo, quer dizer, pode fazer com que o outro ganhe ou perca. Nesse momento você, dono da situação, não poderá perder a oportunidade de se mostrar no topo da pirâmide. Começa assim o jogo em que cabe ao outro arrastar-se até que tenha o corpo coberto de sangue. Nesse entremeio todo charme é necessário para que o jogo dure tempo necessário para o segundo passo.

O segundo se trata da parte mais aprazível para o causador do sofrimento. É nesse momento que você finge, inventa, fabula um gostar ao mesmo tempo que pede para o outro ir embora. Este, após mais uma vez se arrastar até o sangue às vezes recebe uma carta ou algumas explicações. Estas explicações falaciosas são importantes, uma vez que, através delas você tem a ressalva para um posterior arrependimento.

Ora, esse arrependimento só acontece quando você percebe que o outro não é tão tolo e imperceptível quanto se pensava. Está aí a importância do terceiro elemento, pois através dele você nota algo que não havia notado anteriormente. Sob esse prisma só há, portanto, uma falácia inscrita em outra; um falsário supremo.

Ademais, com o surgimento do terceiro elemento a narrativa torna-se mais interessante. Nesse momento você, e seu sentimento ignóbil, arquiteta uma trama de retorno. Essa trama é importante porque através dela você atinge o fim esperado, toda perspicácia é preciso. Todo erro do outro pode ser usado nesse momento como o estopim da guerra.

Você deve se agarrar ao mínimo detalhe e deve saber usá-lo no momento certo. Não se pode negar nesse momento que algo realmente tenha acontecido. Mas um sentimento surgido após a percepção do outro seria da mesma forma justo? Se o terceiro elemento não houvesse também criado uma situação de risco teria o outro se entregado ao falsário?

Todas essas perguntas permanecem evidentemente sem resposta, e tantas outras podem também ser feitas. O demônio da perversidade age nesse momento mostrando sua face mais oculta. Tudo dará certo, é claro, os demônios se usam de todas as armas até que um dia o terceiro elemento desapareça, ou, apareça ainda um quarto que pode se envolver tanto em um quanto em outro lado.

Esse não é o caso da natureza demoniacamente impaciente que hesita sem saber se deve ou não pular do precipício, é o caso de outra infinitamente pior, que hesita se deve ou não jogar o outro do precipício e esperar que ele estilhace e se encha novamente de sangue.

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

que descolorirá

Donde vem eu nem sei
Nem mesmo para onde vai
Se vai ficar muito tempo
Ou se partirá amanhã

Eu que tiraria um pincel do bolso
só pra pintar um sorriso no seu rosto.

sensatez



as cidades se erguem em pleno concreto
as pessoas passam sem se olharem
mesmo que por segundos

A vida segue adiante!

o passado não pode ser melhorado
não há presente, não há futuro.

A vida segue adiante!

o minuto em que dou esmola ao catador de papel que diz ter fome logo é substituído por mais um dia normal.

A vida segue adiante!

entre o concreto há outros tantos
total estrago do coração
da visão
do sentimento

amanhã não mais me lembrarei de você

A vida seguiu adiante!

na multidão de pessoas que andam pelas ruas não vejo ninguém
passo por você e não mais o reconheço.

permaneço sensata e só.

Senhor! arranca do meu corpo esse juízo
eu que nem sei se tenho juízo
ou corpo

terça-feira, 27 de setembro de 2011

sem título, sem nada

Ósculos, Amplexos
Ver sentir
Toques, gestos ?
O Eu contido .
A modernidade estraga as pessoas

(25 de junho de 2009)

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

de onde vem a calma

“De onde vem o jeito tão sem defeito?
Que esse rapaz consegue fingir
Olha esse sorriso tão indeciso
Tá se exibindo pra solidão
Não vão embora daqui
Eu sou o que vocês são
Não solta da minha mão
Não solta da minha mão”


E vem sem gosto de viver.

E não tem mais a força que tinha.

E dele nem mesmo me lembro o nome.

Não poderia perder esse tempo por nada.

Mas o tempo é a única coisa que se perde.


E não há velha casa, nem velha marca, nem velho coração.


Nem coração.

Comece por uma nova vida e uma nova canção.

Lembre-se de jogar as chaves fora.

Lembre-se de fechar a janela do quarto para que ninguém entre.


Não arranje desculpas, não peça para voltar no tempo, não diga que não deu certo.

Do certo e do errado só a gente que sabe.

E a gente nem sabe.


Lembre-se de jogar as chaves fora.

Lembre-se de fechar a janela do quarto para que a fumaça não saia,


E se você vai embora, vai bem, e tente não voltar.

E se desta vez ela é a senhora, não demora a volver.


Pare de cantar a velha música

e ouvir a velha música

e olhar para mesma porta em que um dia você a viu partir.


Tens agora a certeza do momento inteiramente vivo.

Ainda que falso construído.


A verdade simples tão exposta que é vista a olho nu.

A verdade mentira inteiramente exposta.

Como a ferida que um dia lhe causaram.


Tenha dó,

Entre Deus e o Diabo não há grande diferença.


E quis duvidar de todo o nada que sentia.

E chegou a pensar que esse nada pudesse ter sido causado pela demora ou recusa de outrem.

E nem mesmo chegou a pensar que é do nada que surgem as grandes coisas.


E não há TV para devolução.

E nem a Santa Chuva que já passou por aqui.


E a Flor serviu para que você encontrasse outro alguém.

E Deixa Estar Que O Que For Pra Ser Vigora.


E que seu barco encontre outro cais.

Que da vida e do amor eu nem sei mais.


Lembre-se de jogar as chaves fora.

Lembre-se de fechar a janela do quarto que quando o outro perfume sair vai ser pra não mais voltar.

domingo, 25 de setembro de 2011

último romance

E até quem me vê
Lendo jornal
Na fila do pão
Sabe que eu te encontrei
E ninguém dirá
Que é tarde demais
Que é tão diferente assim
Do nosso amor
A gente é quem sabe, pequena...

Depois da primeira vez que a viu, pensou que seria realmente o fim dos encontros organizados pela ordem errada do universo, uma vez que, pessoas legais poucas vezes eram vistas. Somente uma semana depois os pensamentos entraram na ordem correta em sua cabeça, e foi quando notou que na verdade aquele pode não ter sido um encontro casual. Em algum lugar, com hora e data agendada estava marcado que eles se encontrariam, e disso não poderia fugir.

Tanto foi que depois que colocou as coisas em ordem na sua cabeça, lembrou-se que na verdade já havia encontrado com ela em outra ocasião, ocasião esta, que ela não se lembraria ainda que fizesse grande esforço.

Na noite seguinte, ainda na tentativa de estabelecer uma lógica causal, arriscou rememorar suas últimas escolhas, já que, qualquer decisão diferente –inclusive ter decidido não ir tomar café– poderia ter alterado toda ordem de atitudes posteriores, o que faria sem dúvida, que o caminho fosse distinto.

Inútil tentativa, voltou ao mesmo ponto inicial no qual simplesmente a encontrou aquele dia em que decidiu sair de casa para tomar café.Nem gostavam tanto de café, mas contra o destino arrumado pelos deuses nada se pode fazer, e foi então que se encontraram.

Talvez esse tenha sido o dia de todos os outros que se seguiu em que menos foi achado assunto. Destarte, foi o caminho para uma série de novos assuntos que ficaram em entrelinhas de uma conversa nada fortuita.

Mas os deuses que unem nem sempre ficam perto tempo suficiente para evitar que os caminhos tomem rumos opostos. E se é dado ao homem a condição de escolha tudo vai por água a baixo.

...

- Alô?

- Alô, é você?

- Claro que sim, como que você está?

- Do mesmo jeito.

- Então deve estar bem, pois lembro que a última vez que nos vimos você não estava às traças.

- É.

- Né.

- Mas e você, arranjou alguém?

- A gente sempre arranja.

- Ah. Você ainda pensa em mim?

- Só quando me sobra tempo, não é muito.

- Vou ‘praí’ te ver.

...E ir onde o vento for
Que pra nós dois
Sair de casa já é se aventurar”