Sempre que escrevo um poema, um poeta de verdade se remexe no túmulo, por dor ou por pena

sábado, 24 de março de 2012

se tudo pode acontecer

Ao som de http://www.youtube.com/watch?v=6S4siwNUEc4

Não me pergunte como nem porquê, mas essa noite mais uma vez sonhei com você. Não sei quanto tempo durou e nem mesmo como começo, mas você lá estava. Às vezes assim você surge em mim como uma outra espécie de felicidade, coisa que eu jamais teria se pudesse ter você por perto todo o tempo. Pois para falar a verdade não sei por que naquele derradeiro dia me apaixonei por você. Embora eu soubesse que, uma vez tendo eu te encontrado nada mais poderia evitar em relação àquele profundo sentimento que vez ou outra vem nos visitar. Por vezes raras vi você passar por mim e lembro-me de cada uma delas. Frente ao espelho não mais me encontro durante muito tempo, até que sinto que posso te encontrar novamente. Nas páginas de um livro anotei seu nome para que não mais pudesse esquecê-lo. Desde então me desconheço e apenas me reconheço em ti quando posso ver-te. E todos os momentos anteriores a sua chegada são esquecidos. Nesse momento de silêncio que certamente se fará quando não tenho nada a dizer a você, é que eu me reencontro. Nesses encontros um tanto casuais, nessas tardes de quase a mesma estação...

“Pode alguém aparecer
E acontecer de ser você
Um cometa vir ao chão
Um relâmpago na escuridão
E a gente caminhando
De mão dada
de qualquer maneira

Eu quero que esse momento
Dure a vida inteira”

quinta-feira, 15 de março de 2012

o passado nunca mais

abra-te sésamo, bradou o ladrão de Bagdá!
o passado não vem mais, grito agora às portas do seu palacete!
por não estar colado e imerso em meu tempo posso analisar o passado
como o espelho que apenas nos reflete se mantermos certa distância
meu presente está fraturado, rompido e não me é possível colá-lo.
não posso ver através da luz, restou-me somente a análise do obscuro
como em um poema de Mandel’stam olho para trás com um sorriso insensato,
fraco e cruel posso apenas contemplar minhas pegadas
outrora ao lado delas existiam as suas
elas já se apagaram
o passado não volta mais!

quinta-feira, 8 de março de 2012

o quase demônio da perversidade

“Não existe paixão na natureza que seja tão demoniacamente impaciente como a daquele que hesita à margem de um precipício, meditando sobre se há de saltar ou não. Deter-se, ainda que por um momento, na contemplação desse pensamento, é estar inevitavelmente perdido; porque a reflexão nos ordena afastar-nos sem demora e portanto, exatamente por isso é que não podemos. Se não houver um braço amigo que nos ampare, ou se não fizermos um esforço súbito para nos afastarmos do abismo, saltaremos e seremos destruídos.”
O demônio da perversidade
Edgar Allan Poe

Ante o impulso de se jogar ou não do precipício outros tantos são capazes de perverter o sentimento humano. E nesse caso não há ombro amigo e nem esforço súbito para afastar-se. O demônio da perversidade ora capaz de tantas atrocidades com o outro se torna ainda mais imbatível quando age por um impulso que não teria surgido caso não existisse a situação desencadeada por seu rival.

Tal sentimento ignóbil se a pouco chama-se amor não passa da fraude mais barata, uma falácia em maior grau. Tudo se passa quando um outro o procura, você nesse momento tem todas as cartas na manga e pode ganhar ou perder o jogo, quer dizer, pode fazer com que o outro ganhe ou perca. Nesse momento você, dono da situação, não poderá perder a oportunidade de se mostrar no topo da pirâmide. Começa assim o jogo em que cabe ao outro arrastar-se até que tenha o corpo coberto de sangue. Nesse entremeio todo charme é necessário para que o jogo dure tempo necessário para o segundo passo.

O segundo se trata da parte mais aprazível para o causador do sofrimento. É nesse momento que você finge, inventa, fabula um gostar ao mesmo tempo que pede para o outro ir embora. Este, após mais uma vez se arrastar até o sangue às vezes recebe uma carta ou algumas explicações. Estas explicações falaciosas são importantes, uma vez que, através delas você tem a ressalva para um posterior arrependimento.

Ora, esse arrependimento só acontece quando você percebe que o outro não é tão tolo e imperceptível quanto se pensava. Está aí a importância do terceiro elemento, pois através dele você nota algo que não havia notado anteriormente. Sob esse prisma só há, portanto, uma falácia inscrita em outra; um falsário supremo.

Ademais, com o surgimento do terceiro elemento a narrativa torna-se mais interessante. Nesse momento você, e seu sentimento ignóbil, arquiteta uma trama de retorno. Essa trama é importante porque através dela você atinge o fim esperado, toda perspicácia é preciso. Todo erro do outro pode ser usado nesse momento como o estopim da guerra.

Você deve se agarrar ao mínimo detalhe e deve saber usá-lo no momento certo. Não se pode negar nesse momento que algo realmente tenha acontecido. Mas um sentimento surgido após a percepção do outro seria da mesma forma justo? Se o terceiro elemento não houvesse também criado uma situação de risco teria o outro se entregado ao falsário?

Todas essas perguntas permanecem evidentemente sem resposta, e tantas outras podem também ser feitas. O demônio da perversidade age nesse momento mostrando sua face mais oculta. Tudo dará certo, é claro, os demônios se usam de todas as armas até que um dia o terceiro elemento desapareça, ou, apareça ainda um quarto que pode se envolver tanto em um quanto em outro lado.

Esse não é o caso da natureza demoniacamente impaciente que hesita sem saber se deve ou não pular do precipício, é o caso de outra infinitamente pior, que hesita se deve ou não jogar o outro do precipício e esperar que ele estilhace e se encha novamente de sangue.


11 de outubro de 2011

o misterioso caso de miss...

Meu próprio grito ecoou-me o dia todo no cérebro; até eu ter a certeza de que na esquina de uma rua qualquer eu me encontraria como de costume com ela, dando-me por satisfeita ao vê-la sumir ao longe”
o misterioso caso de miss v.
v. woolf

Andava assim como quem não precisa dizer nada a ninguém porque a beleza fala por si só. Não que essa beleza excluísse qualquer traço de inteligência como costuma acontecer hoje em dia, ao contrário, tornava-se cada vez mais bela quando dizia alguma coisa, qualquer coisa. E dizia muitas coisas, como se houvesse uma espécie de sentido em qualquer fato sem sentido que se atrevia a existir no tempo. Talvez nunca tenha existido em seu rosto qualquer expressão de infelicidade, embora, nos momentos em que lhe atacavam os nervos fosse possível perceber um acentuado levantar de sobrancelha seguido de um leve enrubescimento no rosto. Era uma dessas pessoas que não precisa dizer muita coisa para conquistar alguém.

Não poderíamos dizer que fosse possível ser acometida por uma loucura a qualquer momento. Mas, acontece que esses tempos pra cá acabou por descobrir que a NASA (National Aeronautics and Space Administration) possui satélites de alta definição capazes de identificar qualquer pessoa em qualquer lugar do mundo. Como todos bem sabemos, esses satélites, podem não só rastrear pessoas, mas também, imediatamente enviar dados para um computador no qual serão armazenadas todas as ações e palavras ditas e desditas.

Qualquer pessoa normal ao saber disso seguiria sua vida como de costume, afinal, o que se pode fazer contra satélites de alta definição controlados por uma agência do governo dos Estados Unidos com uma sigla suspeita que pode muito bem significar qualquer outra coisa? Embora não tenha colocado isso no início de maneira explicita, é importante que vocês saibam que a existência de pessoas belas e inteligentes em nosso mundo é tido como anormal, e uma hora ou outra essa pessoa dá um defeito, como aqueles robôs multifuncionais que às vezes entram em pane.

Destarte, desde o dia que descobriu que está sendo seguida pela NASA deixou de atender telefones, responder e-mails e cumprir com suas obrigações acadêmicas. E, dizem as más línguas, que às vezes faz protestos sem sentido em viadutos recém construídos e inventa caminhos diferentes tentando despistar os satélites. Como se não soubesse que mesmo se mudando para outro planeta continuaria a ser seguida, sabe-se lá por que.