Sempre que escrevo um poema, um poeta de verdade se remexe no túmulo, por dor ou por pena

sábado, 23 de março de 2013

O quarto


O quarto que outrora foi único e um dia também foi repartido, duas vezes repartido. Um quarto quadrado que tivera num dia parede brancas, noutro brancas e azuis, noutro escritos (algo de Isabel Allende) e desenhos, noutro fotos, noutro pôsteres de atores e bandas. Um que um dia ao lado da cama da irmã tinha uma pequena televisão e um Super Nintendo. Onde primeiro se fez a pequena coleção de livros que hoje já é grande se não pelo número, pela preciosidade deles. Onde nessa mesma estante colocou as miniatura raptadas da casa do avô após a sua morte, um carro, um avião e um helicóptero. Nessa mesma estante uma aranha também raptada de lá e um vidrinho com algo colorido que um dia ele lhe deu dizendo ser areia. A saudade do avô também morou um pouco naquele quarto. Uma escrivaninha antiga roída por cupins com colagens que a mãe ajudou a tirar de revistas e livros. Não se lembra muito delas. Em cima da escrivaninha lápis de todas as cores, desenhos, e três bolinhas de malabares: rosa, amarela e roxa, que apesar do esforço ela nunca aprendeu a jogar. No guarda-roupas adesivos colados também pela irmã mais velha sinalizando sua passagem. Ao lado da cama rosa de metal um criado mudo que um dia teve em cima uma bíblia, uma garrafinha de água e um leque, por que a mãe também passou por lá. A cômoda já teve em cima um cofre que nunca ficava com dinheiro tempo suficiente para comprar algo que não fossem balas. Um outro, de um cachorrinho que buscava a moeda, ganhado da avó, continha umas 45 moedas de 1 centavo, dessas coleções inúteis. Um radinho ganhado do pai que foi um dos melhores presentes já recebidos. Um piano amarelo  de criança também compõe o mobiliário. Ao lado da cama um espelho rosa, no guarda-roupa outro que se dividia em três.

Será que um dia já me vi neles? Será que após tantos anos um pouco da alma foi por eles raptada?

O quarto acompanhou minha adolescência. Hoje quando entro é apenas um depósito com guarda-roupa sem roupas, uma cama que não é a minha, uma bagunça que não fui eu quem fiz e uma barata morta no chão. Nenhum dos elementos acima estão mais nele. Desde que mamãe se foi a casa deixou de ser um lar e é apenas uma casa. A bagunça do quarto é o resultado de algo que se perdeu, e dói se perder e ir embora. Ter que ir embora. Hoje meu quarto é só um lugar inabitável no meio de uma casa que é feita somente de falta dela.