“Chovia nas ruas do meu coração
Fora dos trilhos, cidades
Lua cheia clareava
Imaginei que sonhava
E era tudo real”
Descansa: pouco te chorarão...
O impulso vital apaga as lágrimas pouco a pouco,
Quando não são de coisas nossas.
Quando são do que acontece aos outros, sobretudo a morte,
Porque é a coisa depois da qual nada acontece aos outros.
(Fernando Pessoa/Álvaro de Campos)
Pode entre o amor e a amizade alguém escolher o segundo? Eu respondo que não, e essa como todas as histórias do mundo não pode ser diferente. E não pode ser diferente não porque as personagens sejam comuns, porque não são, é simplesmente pelo fato de que no fim as justificativas para a felicidade sempre se encontram ligadas ao primeiro.
Já ia dar aquela coisa escura no coração, de quem perde alguma parte dele, sem nem mesmo saber por quê. E o que seguiria desde então seria um discurso dos amantes mal amados, que, creio não ser a questão. E ele diria coisas tolas como tudo se ajeita no final e sorriria como se sorri às pessoas de que se gosta muito. Lentamente ela sentiria que seu coração havia enfim se acalmado e conversariam sobre os últimos livros lidos.
No entanto, esse não é um dos casos em que a tristeza e a decepção podem ser substituídas por um sorriso e um abraço. E ela recusaria o abraço e partiria. Ele, mesmo imóvel, sentiria que naquele momento o fio que os ligavam havia se partido, e, dessa vez sem nenhuma chance de volta. E a chuva indicaria o fim de algo que sequer chegou a ser.
E não porque não o amasse, ou porque não o quisesse bem, ou porque ele havia deixado de ser seu melhor amigo, mas, porque não sabia mentir.
E não há, agora, motivo para os verbos das frases acima estarem no futuro do pretérito...
Escreveu a última carta, quase um bilhete, quase um apelo: - Desculpe, mas não posso morrer com você.
Nesse instante descobriu qual era o gosto que insistia em aparecer em seu paladar durante toda semana: era o de morte.