Sempre que escrevo um poema, um poeta de verdade se remexe no túmulo, por dor ou por pena

domingo, 12 de dezembro de 2010

• um ponto oito

Durante horas inteiras dividia-se em repetidos gestos de mudanças de livros. Ligou a TV, talvez em meio a diversos desastres arranjasse algo que realmente valesse a pena assistir. Controle remoto, remotocontrole. Na mudança quase automática de canais percebeu que os noticiários se repetiam. Anunciaram que o mundo ia se acabar. Como perder tanto tempo lendo diversos livros que não teriam serventia prática, já que foi noticiado que o mundo iria se acabar? Na confusão que se seguiu a notícia, pode ouvir alguns gritos, provavelmente de pessoas agora desesperadas, como se viver não fosse desesperador o bastante. Morrer, fosse talvez mais fácil - pensou. Mas disso ninguém queria saber. Nenhuma pessoa se espantava com as mortes noticiadas, com os diversos incêndios, milhares de animais mortos, milhares de corpos. Na casa do vizinho, do outro lado da rua, não importa o que acontece. Mas o mundo ia acabar, e o mundo também era ele, e ela. O que fazer então ? Quanto tempo as pessoas teriam? Os mais religiosos sem dúvida esperavam pela volta de Cristo, ou sabe-se lá de quem, o narrador aqui não entende de religiões. O modo e a hora, eram um mistério, ou talvez tivessem dito ao final da reportagem, que passou na televisão que ela desligou logo após saber o mínimo da notícia. Ver aparentemente tão claro o destino não era de todo ruim, ainda que as diversas linhas telefônicas estivessem congestionadas por ligações de pessoas pedindo perdão até para o porteiro do prédio, por aquele dia que nem mesmo o porteiro se lembraria. Ela não, não queria saber de perdão, nem de culpa. Sabia que se ligasse o som não encontraria nenhuma rádio com música decente, talvez não encontra-se sequer uma rádio. Lembrou-se de seus últimos meses. Os amigos que não mais ligavam – não que fosse sua culpa - as horas jogadas fora que não mais existiam. Como estaria seus melhores amigos agora ? Melhores ? Lembrou-se de algumas discussões, e daqueles caminhos que não mais se cruzaram pela falta de tempo, e de coisas em comum. E de todo o seu coração que não estava morto pela falta de amor, mas pela falta de alguém que realmente quisesse compartilhar, e sendo assim já não compensava mais viver. Pela primeira vez sentiu medo.


Olhei a cidade
Olhei pro meu carro
Voltei a correr
Pensei em fugir
Quis não mais viver ♪


Um comentário:

Isa disse...

você sabe que os amigos estão sempre aqui, ou sempre lá. você só precisa chamá-los ... <3

' and may god bless you in your travels in your conquests and queries '