“Chovia nas ruas do meu coração
Fora dos trilhos, cidades
Lua cheia clareava
Imaginei que sonhava
E era tudo real”
Descansa: pouco te chorarão...
O impulso vital apaga as lágrimas pouco a pouco,
Quando não são de coisas nossas.
Quando são do que acontece aos outros, sobretudo a morte,
Porque é a coisa depois da qual nada acontece aos outros.
(Fernando Pessoa/Álvaro de Campos)
Pode entre o amor e a amizade alguém escolher o segundo? Eu respondo que não, e essa como todas as histórias do mundo não pode ser diferente. E não pode ser diferente não porque as personagens sejam comuns, porque não são, é simplesmente pelo fato de que no fim as justificativas para a felicidade sempre se encontram ligadas ao primeiro.
Já ia dar aquela coisa escura no coração, de quem perde alguma parte dele, sem nem mesmo saber por quê. E o que seguiria desde então seria um discurso dos amantes mal amados, que, creio não ser a questão. E ele diria coisas tolas como tudo se ajeita no final e sorriria como se sorri às pessoas de que se gosta muito. Lentamente ela sentiria que seu coração havia enfim se acalmado e conversariam sobre os últimos livros lidos.
No entanto, esse não é um dos casos em que a tristeza e a decepção podem ser substituídas por um sorriso e um abraço. E ela recusaria o abraço e partiria. Ele, mesmo imóvel, sentiria que naquele momento o fio que os ligavam havia se partido, e, dessa vez sem nenhuma chance de volta. E a chuva indicaria o fim de algo que sequer chegou a ser.
E não porque não o amasse, ou porque não o quisesse bem, ou porque ele havia deixado de ser seu melhor amigo, mas, porque não sabia mentir.
E não há, agora, motivo para os verbos das frases acima estarem no futuro do pretérito...
Escreveu a última carta, quase um bilhete, quase um apelo: - Desculpe, mas não posso morrer com você.
Nesse instante descobriu qual era o gosto que insistia em aparecer em seu paladar durante toda semana: era o de morte.
“... indignando-se, quem sabe, uma vez a cada 15 dias, e depois aquietando-se como se aquietava agora.”
A Viagem – Virginia Woolf
Talvez, e na verdade havia passado pouco tempo, e agora assim deitada olhando para o teto como era de costume, perguntava-se como tudo passou tão rápido. Subverteu um sentimento que pensou nunca mais se extinguir. Não poderia sequer fazer uma pequena retrospectiva de como tudo caminhou, parecia enfim, que entrava em uma existência superior. Um dia, sequer se lembraria desse sentir que por alguns segundos a atormentara. Mistério maior seria descobrir como depois de tantos gestos e palavras medíocres não houve a ruptura fatal. Um dia meio triste, meio cinzento, meio qualquer coisa.
Um dia compreenderia que não existe uma pessoa completamente boa ou sem defeitos. Nas noites de inverno perceberia que não era regra ter alguém para tomar chocolate quente frente à lareira. Compreenderia, um dia, que quando pegasse o telefone para pedir ajuda ele não atenderia, não se importaria, não retornaria.
Daquele ser despido de qualquer sentimento nada poderia exigir.
Quase sentiu medo quando percebeu que poderia o ter perdido para sempre - que poderia ter perdido o garoto que um dia ela conheceu e sentou-se ao lado em um banco de praça qualquer - mas, agora não sentia nada. Somente aquelas pequenas agulhadas incomodavam vez ou outra quando ele quase que de propósito dizia ou fazia as piores coisas do mundo somente pelo simples prazer de sofrer.
“Como fosse um par que nessa valsa triste se desenvolvesse ao som dos bandolins...
( Bandolins – Oswaldo Montenegro )
Então a noite chegara e como é de costume nesses tempos frios, decidiu dar uma volta pela cidade. O ar gélido em seu rosto a fazia lembrar dos invernos passados com a família a beira do lago congelado, e os bonecos de neve e todo o resto. Mas parecia que não iria nevar e só restava, portanto, o frio que queimava seu rosto e o silêncio na rua como se fosse tempo de reclusão. A princípio não havia se acostumado com esse ritmo em que olhares que se cruzavam poderiam nunca mais se encontrar, mas, com o tempo tudo tem seu remédio. Os passantes apenas se misturavam às luzes da cidade. De vez em quando algum barulho cortava a monotonia que era caminhar pelas ruas à noite, ainda que estas estivessem cheias de pessoas.
Pensou por um instante nessas pessoas. Onde estavam indo? O que fariam? Teriam elas um café quente e um amor quando chegassem em casa? E os solitários que por um instante não o estavam ao se misturarem aos demais transeuntes, o que fariam depois? Seriam ainda solitários em meio a tantas pessoas ou a solidão se daria apenas no momento em que abriam a porta de seu apartamento e não encontravam ninguém? Poderiam chamar esse local de lar?
As vitrines das lojas embaçadas pelo frio, lá dentro talvez, as pessoas estivessem felizes por mais uma noite de inverno em que poderiam tomar chocolate quente aos pés da lareira. Mais bonito seria se fosse Natal, todas aquelas luzes e os enfeites da cidade, e as árvores que poderiam ser brancas e verdes e coloridas ao mesmo tempo como em nenhuma outra época do ano. Poderia simbolizar um futuro melhor e talvez fosse esse mesmo o significado. Certo ou não, as pessoas por ora acreditavam. Ela ao contrário nunca tivera muita paciência com o Natal e nem mesmo com a passagem de ano, o novo a assustava, talvez por algum motivo. Em meio a esses pensamentos percebeu que se tornara por um instante vagamente frágil.
Continuou andando, aos poucos a grande aglomeração de pessoas passeando se resumia a pequenos grupos e alguns casais. O inverno era bonito porque as pessoas se aproximavam, isso desde os primórdios da existência, quando era preciso sobreviver. Hoje as pessoas ainda se ajuntam para sobreviver, mas não porque morreriam de frio.
Ao longe podia avistar uma roda de amigos que conversava, à porta de um Café. Não teriam muito o que fazer essa noite, com todo esse frio, pensou. Talvez a melhor ideia fosse ligar para algum amigo e propor uma ida ao café, mas as suas mãos agora quase se congelavam de frio e a melhor opção seria deixá-las dentro dos bolsos. E iria afinal, sozinha ao café.
Lá dentro, no café, realmente estava mais quente do que na rua. A decoração do local se assemelhava a qualquer coisa que lembrasse a década de sessenta, tons amarelos que se misturavam a vermelhos harmoniosamente. Um grande balcão de vidro onde se encontrava uma série de guloseimas. As mesas cercadas por banquinhos redondos completavam a decoração. Pensou que a pouco encontraria alguém com uma fita no cabelo. Não apareceu ninguém, a garçonete vestia uma roupa amarela e tinha uma fita no cabelo, mas nada indicava que ela havia voltado no tempo e parado em um café dos anos sessenta.
- Bonne nuit madame, s’il vous plait
- Je veux deux brioches et un café
Enquanto esperava percebeu que o local aos poucos se enchia, assim como a cidade lá fora. Parecia que todos estavam à espera de um acontecimento, pré-programado. De repente, um rapaz pediu para sentar-se ao seu lado. Logo o café chegou e distraída como estava sequer trocou uma palavra com ele, na verdade, nem o reparara direito.
Continua...
Este é um tempo de silêncio. Tocam-te apenas. E no gesto
te empobrecem de afeto. No gesto te consomem.
Tocaram-te, nas tarde, assim como tocaste,
adolescente, a superfície parada de umas águas?
Tens ainda nas mãos a pequena raiz,
A fibra delicada que a si se construía em solidão?
Hilda Hilst
De repente aquele cheiro entrou pelo quarto, cheiro que a pouco pensara que nunca mais sentiria. A chuva serviu de pretesto para não sair de casa, pois, agora após tanto tempo e com o coração gélido não poderia se negar a sentir aquele cheiro exato. Trancou todas as portas e deitou-se. Seria um sinal? Após a chuva viria o arco-íris, mas isso agora não faria a menor diferença. Nem todo o céu límpido seria mais importante que o momento que finalmente havia se repetido após tanto tempo.
Confessara em silêncio que aquele era um momento que poderia ser o anterior a morte. De nada adiantaria viver sem poder sentir ao menos vezenquando aquele cheiro, o cheiro exato dele. Pode ser que após tanto tempo já não se tratasse mais do mesmo cheiro que sentiu quando o viu pela primeira vez. Pode ser que após tanto tempo apenas inventou um outro cheiro qualquer que serviria apenas para recriar os momentos em que a saudade aumentava tanto.
Ela que a pouco se queixava da solidão, agora sentia aquela mesma do momento da partida, quando ele disse que não mais voltaria. Decidiu nesse dia morrer, ou, viver ainda mais, com mais intensidade. Nenhuma promessa foi cumprida, e às vezes pegava-se pensando como tudo poderia ter sido diferente.
Aquela sombra que faziam os dois ao lado da cama no canto da parede nunca mais foi a mesma. Foi quando todas as coisas se dissolveram e sabia que desse caminho não haveria volta. E o amava muito a ponto de deixar qualquer caminho, ainda que nesse a felicidade fosse certa. Mas de nada adiantou.
Lembro-se dos momentos em que desejava ardentemente as horas que passavam naquele quarto, sob a penumbra. E por um instante passou por sua cabeça todo um filme, e parecia agora que tudo se repetia. Voltou os olhos para o relógio, mas percebeu que as horas não estavam paradas. O seu sonho afinal era apenas um sonho.
Começou a chorar.
Pensou que após tanto tempo as lágrimas finalmente haviam secado, mas enganou-se mais uma vez. Chorava agora não pelo que foi, muito menos pelo que poderia ter sido. Chorava enfim porque aquela saudade doía e sabia que cada vez que a brisa trouxesse aquele cheiro doeria da mesma forma e como se fosse a primeira vez.
Mas não era rara essa sensação de morte interna e logo depois de uma petição à vida, embora tivesse medo que essa petição deixaria de se dar uma hora. E pensou nisso de chorar e sentir saudade toda vez que sentisse o cheiro dele, só que agora percebeu que alguma coisa lá no fundo doía mais. E doía não porque um ou outro decidiu não mais ficar junto. Doía porque ela sabia que a qualquer momento não mais doeria e o sentir nada seria pior que qualquer pedido de volta.
E só, muito só, repetiu baixinho implorando que alguém ouvisse: “Ah como eu queria parar o mundo agora, só para poder te abraçar!”
Pela rua, carros e postes. Cabelo ao vento e o corpo tatuado. Andou por ruas que não conhecia e visitou bares esperando encontrar no rosto de alguém o rosto exato dele. Foi a festas esperando encontrar no corpo de alguém o mesmo corpo que há pouco lhe dava abrigo. Vinte dias haviam se passado desde que anunciara o derradeiro fim. Uma nova tatuagem no corpo marcaria o espaço de uma vida.
Pela janela aberta em que ele se debruçou na mesma espera inútil em que ninguém apareceu, ele a viu partir.
Dias depois o encontraram caído perto dos livros. Estava morto.
Quando ela recebeu a notícia não poderia esboçar mais nenhuma reação. Nada poderia ser feito. Ninguém muda o que está escrito. Nem paz nem culpa no coração. Nenhuma reação.
“Ela disse adeus, e chorou,
já sem nenhum sinal de amor.
Ela se vestiu, e se olhou;
sem luxo, mas se perfumou.
Lágrimas por ninguém,
só porque, é triste o fim.
Outro amor se acabou”
“Se a gente já não sabe mais rir um do outro meu bem então o que resta é chorar”, foi o que estava escrito no papel antes de virar um barco e ser colocado na água. Simulou um cais. Simulou pensamentos bons que seriam levados pelo vento e a água. Contornou aquele curto espaço de tempo que ainda restava de vida só para tentar simular um mundo melhor para ele. Tudo em vão. Agora sozinho em seu quarto pensava ser apenas restos de uma história que não foi. Nenhum esforço súbito de vida seria suficiente para que ela fizesse com que ele pensasse o contrário. E ela não faria, não falaria. Não gostava do estrago, de escândalos ou de fofocas. E não preveria mais nada e nem acreditaria na vontade cósmica do universo. Tudo se ajeita no fim. Talvez em algum ponto a amizade tenha sido irremediavelmente perdida. Talvez tudo, talvez nada.
Deitou-se na grama molhada e desejou um mundo melhor. Era só um desejo e só havia aquela frase no papel, e ainda assim, este não chegaria à outra margem, era só um barco de papel afinal. Era só a simulação de um cais.
"Como pode alguém sonhar
o que é impossível saber?
- Não te dizer o que eu penso
já é pensar em dizer
e isso, eu vi,
o vento leva!"
“Não existe paixão na natureza que seja tão demoniacamente impaciente como a daquele que hesita à margem de um precipício, meditando sobre se há de saltar ou não. Deter-se, ainda que por um momento, na contemplação desse pensamento, é estar inevitavelmente perdido; porque a reflexão nos ordena afastar-nos sem demora e portanto, exatamente por isso é que não podemos. Se não houver um braço amigo que nos ampare, ou se não fizermos um esforço súbito para nos afastarmos do abismo, saltaremos e seremos destruídos.”
O demônio da perversidade
Edgar Allan Poe
Ante o impulso de se jogar ou não do precipício outros tantos são capazes de perverter o sentimento humano. E nesse caso não há ombro amigo e nem esforço súbito para afastar-se. O demônio da perversidade ora capaz de tantas atrocidades com o outro se torna ainda mais imbatível quando age por um impulso que não teria surgido caso não existisse a situação desencadeada por seu rival.
Tal sentimento ignóbil se a pouco chama-se amor não passa da fraude mais barata, uma falácia em maior grau. Tudo se passa quando um outro o procura, você nesse momento tem todas as cartas na manga e pode ganhar ou perder o jogo, quer dizer, pode fazer com que o outro ganhe ou perca. Nesse momento você, dono da situação, não poderá perder a oportunidade de se mostrar no topo da pirâmide. Começa assim o jogo em que cabe ao outro arrastar-se até que tenha o corpo coberto de sangue. Nesse entremeio todo charme é necessário para que o jogo dure tempo necessário para o segundo passo.
O segundo se trata da parte mais aprazível para o causador do sofrimento. É nesse momento que você finge, inventa, fabula um gostar ao mesmo tempo que pede para o outro ir embora. Este, após mais uma vez se arrastar até o sangue às vezes recebe uma carta ou algumas explicações. Estas explicações falaciosas são importantes, uma vez que, através delas você tem a ressalva para um posterior arrependimento.
Ora, esse arrependimento só acontece quando você percebe que o outro não é tão tolo e imperceptível quanto se pensava. Está aí a importância do terceiro elemento, pois através dele você nota algo que não havia notado anteriormente. Sob esse prisma só há, portanto, uma falácia inscrita em outra; um falsário supremo.
Ademais, com o surgimento do terceiro elemento a narrativa torna-se mais interessante. Nesse momento você, e seu sentimento ignóbil, arquiteta uma trama de retorno. Essa trama é importante porque através dela você atinge o fim esperado, toda perspicácia é preciso. Todo erro do outro pode ser usado nesse momento como o estopim da guerra.
Você deve se agarrar ao mínimo detalhe e deve saber usá-lo no momento certo. Não se pode negar nesse momento que algo realmente tenha acontecido. Mas um sentimento surgido após a percepção do outro seria da mesma forma justo? Se o terceiro elemento não houvesse também criado uma situação de risco teria o outro se entregado ao falsário?
Todas essas perguntas permanecem evidentemente sem resposta, e tantas outras podem também ser feitas. O demônio da perversidade age nesse momento mostrando sua face mais oculta. Tudo dará certo, é claro, os demônios se usam de todas as armas até que um dia o terceiro elemento desapareça, ou, apareça ainda um quarto que pode se envolver tanto em um quanto em outro lado.
Esse não é o caso da natureza demoniacamente impaciente que hesita sem saber se deve ou não pular do precipício, é o caso de outra infinitamente pior, que hesita se deve ou não jogar o outro do precipício e esperar que ele estilhace e se encha novamente de sangue.
as cidades se erguem em pleno concreto
as pessoas passam sem se olharem
mesmo que por segundos
A vida segue adiante!
o passado não pode ser melhorado
não há presente, não há futuro.
A vida segue adiante!
o minuto em que dou esmola ao catador de papel que diz ter fome logo é substituído por mais um dia normal.
A vida segue adiante!
entre o concreto há outros tantos
total estrago do coração
da visão
do sentimento
amanhã não mais me lembrarei de você
A vida seguiu adiante!
na multidão de pessoas que andam pelas ruas não vejo ninguém
passo por você e não mais o reconheço.
permaneço sensata e só.
Senhor! arranca do meu corpo esse juízo
eu que nem sei se tenho juízo
ou corpo
“De onde vem o jeito tão sem defeito?
Que esse rapaz consegue fingir
Olha esse sorriso tão indeciso
Tá se exibindo pra solidão
Não vão embora daqui
Eu sou o que vocês são
Não solta da minha mão
Não solta da minha mão”
E vem sem gosto de viver.
E não tem mais a força que tinha.
E dele nem mesmo me lembro o nome.
Não poderia perder esse tempo por nada.
Mas o tempo é a única coisa que se perde.
E não há velha casa, nem velha marca, nem velho coração.
Comece por uma nova vida e uma nova canção.
Lembre-se de jogar as chaves fora.
Lembre-se de fechar a janela do quarto para que ninguém entre.
Não arranje desculpas, não peça para voltar no tempo, não diga que não deu certo.
Do certo e do errado só a gente que sabe.
E a gente nem sabe.
Lembre-se de jogar as chaves fora.
Lembre-se de fechar a janela do quarto para que a fumaça não saia,
E se você vai embora, vai bem, e tente não voltar.
E se desta vez ela é a senhora, não demora a volver.
Pare de cantar a velha música
e ouvir a velha música
e olhar para mesma porta em que um dia você a viu partir.
Tens agora a certeza do momento inteiramente vivo.
Ainda que falso construído.
A verdade simples tão exposta que é vista a olho nu.
A verdade mentira inteiramente exposta.
Como a ferida que um dia lhe causaram.
Tenha dó,
Entre Deus e o Diabo não há grande diferença.
E quis duvidar de todo o nada que sentia.
E chegou a pensar que esse nada pudesse ter sido causado pela demora ou recusa de outrem.
E nem mesmo chegou a pensar que é do nada que surgem as grandes coisas.
E não há TV para devolução.
E nem a Santa Chuva que já passou por aqui.
E a Flor serviu para que você encontrasse outro alguém.
E Deixa Estar Que O Que For Pra Ser Vigora.
E que seu barco encontre outro cais.
Que da vida e do amor eu nem sei mais.
Lembre-se de jogar as chaves fora.
Lembre-se de fechar a janela do quarto que quando o outro perfume sair vai ser pra não mais voltar.
E até quem me vê
Lendo jornal
Na fila do pão
Sabe que eu te encontrei
E ninguém dirá
Que é tarde demais
Que é tão diferente assim
Do nosso amor
A gente é quem sabe, pequena...
Depois da primeira vez que a viu, pensou que seria realmente o fim dos encontros organizados pela ordem errada do universo, uma vez que, pessoas legais poucas vezes eram vistas. Somente uma semana depois os pensamentos entraram na ordem correta em sua cabeça, e foi quando notou que na verdade aquele pode não ter sido um encontro casual. Em algum lugar, com hora e data agendada estava marcado que eles se encontrariam, e disso não poderia fugir.
Tanto foi que depois que colocou as coisas em ordem na sua cabeça, lembrou-se que na verdade já havia encontrado com ela em outra ocasião, ocasião esta, que ela não se lembraria ainda que fizesse grande esforço.
Na noite seguinte, ainda na tentativa de estabelecer uma lógica causal, arriscou rememorar suas últimas escolhas, já que, qualquer decisão diferente –inclusive ter decidido não ir tomar café– poderia ter alterado toda ordem de atitudes posteriores, o que faria sem dúvida, que o caminho fosse distinto.
Inútil tentativa, voltou ao mesmo ponto inicial no qual simplesmente a encontrou aquele dia em que decidiu sair de casa para tomar café.Nem gostavam tanto de café, mas contra o destino arrumado pelos deuses nada se pode fazer, e foi então que se encontraram.
Talvez esse tenha sido o dia de todos os outros que se seguiu em que menos foi achado assunto. Destarte, foi o caminho para uma série de novos assuntos que ficaram em entrelinhas de uma conversa nada fortuita.
Mas os deuses que unem nem sempre ficam perto tempo suficiente para evitar que os caminhos tomem rumos opostos. E se é dado ao homem a condição de escolha tudo vai por água a baixo.
...
- Alô?
- Alô, é você?
- Claro que sim, como que você está?
- Do mesmo jeito.
- Então deve estar bem, pois lembro que a última vez que nos vimos você não estava às traças.
- É.
- Né.
- Mas e você, arranjou alguém?
- A gente sempre arranja.
- Ah. Você ainda pensa em mim?
- Só quando me sobra tempo, não é muito.
- Vou ‘praí’ te ver.
...E ir onde o vento for
Que pra nós dois
Sair de casa já é se aventurar”