Sempre que escrevo um poema, um poeta de verdade se remexe no túmulo, por dor ou por pena

domingo, 11 de setembro de 2011

sob os morangos mofados

Pelo tempo que durar o maço de cigarros, pelo visto não muito. Se eu trouxesse muito lentamanente à memória algumas coisas boas talvez não as encontrasse. Da janela do meu quarto posso ver a lua, somente posso. No dia em que Júpiter encontrou Saturno fingimos não nos reconhecer. Como velhos desconhecidos passamos pelas ruas. Do outro lado da vida, do mundo. Volta o velho gosto, a velha nãoacreditanssia, as velhas palavras. Dos dias em que nada acontece aos que se abre uma nova garrafa de conhaque. Vai ver adoça a vida. Pelo tempo que durar esse sentimento. Que durou.

Quando a vontade de estar perto é substituída pelo medo, cruza-se a linha tênue. Dos dias de volta no parque, nada restou. Quando o medo torna-se a premissa, nada resta. Naquele lugar em que costumávamos afogar as nossas mágoas, que talvez sequer existissem.

Só agora me ocorreu que talvez nada tenha existido e nada tenha acontecido. E tudo não passou de uma fantasia, inventada descompromissadamente para que não passássemos sozinhas as horas em que cansados de estudar nos víamos. Sozinhos e frágeis, e vazios de qualquer utilidade para o mundo. Tristes seres errantes que jamais querem acertar.

Enquanto durar o maço de cigarros prometo a mim que não o esquecerei. E quando lembrar das horas do vazio, o farei como a única coisa que restou de um caso que durou menos que o cair das folhas do outono. Do dia em que eu poderia ter sido a mulher mais feliz do mundo. E nada mais que um dia seria suficiente parar retirar da geladeira os morangos mofados.

Não mais atravessarei o deserto até o local onde você se encontrava. Você era apenas uma miragem. E as estrelas mudam de lugar, os móveis se embaçam, e o ponto fixo – que era a porta – não mais existe. Contemplo descompromissada o vazio. Viver é cada dia mais perigoso.


"No entanto (até no-entanto dizia agora) estava ali e era assim que se

via. Era dentro disso que precisava mover-se sob o risco de. Não sobreviver,

por exemplo - e queria? Enumerava frases como é-assim-que-as-coisas-são ou

que-se-há-de-fazer-que-se-há-de-fazer ou apenas éofinal-que-importa. E a

cada dia ampliava-se na boca aquele gosto de morangos mofando, verde

doentio guardado no fundo escuro de alguma gaveta."

(morangos mofados-caio fernando abreu)

sábado, 10 de setembro de 2011

relicário

O sol daquele dia era o mesmo de todos os outros. A lua um dia havia lançado seu olhar benevolente sobre nós. A noite era suficientemente clara para se observar as estrelas quando sentei-me a primeira vez ao seu lado, naquele banco de praça. Estar nesse imenso mundo de pessoas que jamais se encontram faz fantasiar outro, melhor. Os mundos possíveis de Leibniz amenizam meu sofrimento, em um mundo possível serei feliz. Aos deuses do acaso não entregarei mais nenhum encontro. O relógio que até pouco tempo passava depressa marcou sua última badalada, mas nenhum outro mundo é capaz de remover essa sensação de fim. Fim de várias convicções e certezas que a pouco haviam voltado a ser. Uma ideia incoerentemente bela havia sido proposta, uma convicção foi colocada em xeque. O mundo é mais bonito no cinema, e é a vida que imita a arte e não o contrário. A recusa em tentar aceitar o que um dia todos disseram foi a premissa para inventar uma história outra. E não poderia esperar essa fuga, esse não habite-se. Encontrei a última pessoa que queria ter encontrado nessa vida. Quase um personagem literário passível de várias interpretações. Um falso poeta que não sei dizer se finge sentir que é dor a dor que deveras sente. Risco com caneta a fé do mundo. Através do seus olhos meio fechados pensei ter encontrado abrigo. Tudo não passou de um sonho. Dos dias que passaram pouco sei dizer sobre o que foi real. Não era preciso sorte, a bolinha que toca na rede e pode por um minuto fazer com que se ganhe ou perca a partida de tênis não é uma metáfora para as decisões humanas. Era preciso apenas uma escolha, apenas uma oportunidade. A sorte já havia encaminhando o começo, não se pode contar com ela para sempre. Foges assim, sem justificativas ou razões. Risco mais uma vez com caneta a fé do mundo. E digo que encontrei quem não deveria ter encontrado, porque risquei a ferro e fogo a fé no homem. De tudo sobrou a melancolia cinza fria de uma história que sequer chegou a ser. A massa cinza da cidade fria ergue-se sobre o pálido céu. Hoje vejo apenas uma figura inanimada. Parto dizendo adeus.
Acordo, tudo não passou de um sonho.


"milhões de vasos sem nenhuma flor.

o que você está dizendo?
o que você está fazendo?
por que que está fazendo assim?"

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

terça-feira, 23 de agosto de 2011

e se

Que a morte é a ausência da vida todo mundo sabe. E as horas giram devagar ou às vezes depressa demais. E o tempo engole tudo (ou quase). Passa o tempo mas não passa a saudade daqueles que um dia estiveram conosco. E as memórias podem ser todas esquecidas, pois, no exato instante em que aconteceram talvez não fossem tão importantes. E foram, e são, e em pouco tempo tudo se findará. As luzes ao fundo se apagam, os relógios de parede ou de pulso, o big ben, todos param. Um dia. E nada mais se tem além do vazio, que nada mais é que a ausência, ausência de quê? Quando o sol acabar, não chore por mim, não chore por mim que não quero ver você triste nem seus olhos cheios d’água. Deixa que com o tempo as coisas se acertam e o que não tem remédio remediado está. Então venha para perto de mim enquanto há tempo. Não deixe o sol se findar, e o tempo correr. E tudo acabar afinal. Que a morte é a ausência da vida todo mundo sabe. Mas e se eu morrer?

sábado, 30 de julho de 2011

Folhetim

ao som e letra de Folhetim - do Chico



Se acaso me quiseres, sou dessas mulheres que só dizem "sim!". Por um dia e uma ida ao cinema, todo o amor que houver nessa vida. E pela volta na praça, as saídas de mãos dadas, todo o amor que houver nessa vida. Todos os convites aceitos, e fica certo. Por um coisa à toa, uma noitada boa, um cinema um Botequim. Os presentes infantis, os presentes de verdade, a loja de cd’s, as camisetas de super-herói, as aulas de física, as figurinhas do Batman. E se tiveres renda aceito uma prenda, qualquer coisas assim, como uma pedra falsa, um sonho de valsa ou um corte de cetim. A pulseira azul em meio a propostas de visita a Angra dos Reis agora se encontrava-se no fundo da caixa de bugigangas. Poderia ter jogado fora. Eu te farei as vontades, direi meias verdades sempre à meia luz. As conversas sobre astronomia, e o tempo perdido que era dedicado a falar sobre os outros. As promessas de um futuro. E te farei vaidoso supor que é o maior e que me possuis. Os melhores beijos e as melhores noites de amor, todo amor que houver nessa vida. Mas na manhã seguinte não conta até vinte: Te afasta de mim, pois já não vales nada. E me fale e me peça amores, por um instante, não mais. És pagina virada, descartada do meu folhetim.

quinta-feira, 28 de julho de 2011

só não se perca ao entrar...

Procuraria por uma trilha sonora, pois como bem se sabe todas as cenas da vida necessitam de uma. E não encontraria porque talvez dessa vez não se tratasse de uma cena qualquer. Então tentaria se lembrar de gestos e atitudes, qualquer vestígio ou sinal que indicasse que algo poderia dar certo. E não lembraria porque estava distraída demais para notar qualquer coisa, e descobrira a pouco que não tinha a memória muito boa. E nessa linha tênue, que separa versos de um lado e doutro, que a pouco lembrara existir, talvez pudesse compor poemas inteiros. Mas agora não saberia dizer se o convite quase feito realmente se tratava de um convite, ou seria apenas uma dessas propostas que se fazem descompromissadamente a esmo. E tentaria inutilmente rememorar onde haveria deixado aquela resposta que deveria ter sido dada no momento certo, ou se deveria acreditar em acaso, ou escolhas. E como não tinha a memória muito boa e estava distraída demais para perceber qualquer sinal, ainda que dos astros, a busca seria ineficaz, e só faria lembrar a sua incapacidade de mentir, ainda que soubesse esconder sentimentos muito bem. E não poderia dizer ao certo se era o caso de pensar nesses imprevistos, que de uma forma ou de outra, acusam que nem sempre se tem o controle do destino. E então agora acreditaria ela em destino, como tantas outras vezes acreditara, até o momento certo em que a linha se rompia e a vida era novamente entregue aos deuses ou ...
E colocaria todos os versos e todos os textos e todas as propostas no futuro do pretérito porque lá era certo que não se apagaria a qualquer brisa do tempo. E então tomaria um café aqui ou em Paris, e riria de todas as piadas sem graça e dos comentários sem sentido. E se isso não era amor não poderia saber o que é, e não se atreveria a descobrir sob o risco de se extinguir. E estando longe mandaria postais e fotos, como se do outro lado do mundo o amor fosse mais bonito. E o amaria com todo o sentido que a palavra carrega. Por um instante, ou pela eternidade.



E ao senhor de iludir manda avisar
Que este daqui tem muito mais amor pra dar ♪

segunda-feira, 4 de julho de 2011

não sei pra quê fui cantar pra você

Poderia começar com “eu estava em paz quando você chegou”, mas sabia que isso sempre e para sempre se repetiria. E voltaria de férias, e talvez não encontrasse a casa como deixou, nem o lugar. Da janela lateral do quarto de dormir as horas não passariam como de costume, não poderia voltar atrás. Melhor encerrar qualquer possibilidade de sentimento que poderia vir a ser um sentimento outro, fora do lugar-comum, longe de qualquer razão de ser. Oh meu Deus, porque mesmo isso acontece, por quê? Poderia falar da primeira vez que viu, ou que quase não viu, se fosse para ser mais exata. Aparentemente satisfeita prometeu a si que qualquer coisa seria suficiente, esqueceu que nunca é. Nem começo de tarde, nem o dia todo seria bastante para. Não compreendia, mesmo inerte não poderia deixar de pensar. Tinha um livro, alguns textos e páginas de revista. Quando ao lado ainda é muito mais longe que qualquer lugar, ela continuava a querer um sol acima do sol. Não haveria nenhum jardim, nem flores, nem corações partidos, nem reparos. Sairia caminhando devagar, olhando a cidade, as luzes ao longe, uma canção, qualquer som que saísse de um piano e indicasse uma música que sequer saberia definir o ritmo. Pouca gente poderia entender, afinal não há tempo para isso. Daqui a pouco começaria a chover, e no apartamento vazio, aos solitários pouco resta além da solidão. Abriu uma garrafa de conhaque e voltou a fumar.



“ Não sei pra quê
Fui cantar pra você
Essa hora “

sábado, 12 de fevereiro de 2011

• Itinerário

Pudesse escolher entre ser feliz e ser feliz. Pudesse quem sabe dizer o que é este desejo súbito de viver. Atingiria o controle absoluto e não mais estaria sujeito as peripécias do destino. Desde não sei quando sentia-se assim, sem aborrecimentos. Após descobertas que um dia julgaria catastróficas decidiu que escreveria um texto. Três linhas, Del. Não tinha tempo para aborrecimentos. Não tinha dó, piedade, só esse desejo súbito de viver. E nesse desejo súbito não cabia olhar o passado, não cabia nem mesmo perder tempo com presentes certos demais. Queria o incerto, o não te ligo amanhã, não espere. O colocar de caminhos traçados incomodava. Da carreira poderia saber, de amores não mais. Nada de te pego na escola e encho a tua bola com todo meu amor, nem daqueles de fugir pra outro lugar baby. Queria os clandestinos. Os incertos. Os com vírgulas e pontos onde bem entendesse. Sim, podemos ser somente amigos e não me ligue, não me procure, não me toque. Por enquanto deixa eu brincar de ser feliz, pintar o meu nariz e todo o resto.

Amar a nossa falta mesmo de amar,
e na secura nossa amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita.
( Carlos Drummond de Andrade )

domingo, 16 de janeiro de 2011

• ando meio desligado

O amor é engraçado. Rabiscou isso em um dos papéis que se encontravam perto do bloco de anotações. Fazia 5 minutos que estava ali parada, na inútil espera de palavras bem colocadas para um texto. E pensou nos amores e desamores da vida e em todas as memórias – que agora sim não passavam de memórias – inúteis, que atormentaram por certo tempo os seus pensamentos. A caneta na mão, os pensamentos soltos. E na rádio tocava, morro de saudade a culpa é sua, todo atalho finda em seu sorriso nu. Não quero te prender mas não posso te perder, ela me deixou desiludido eu já não sei se eu vou se eu fico. Esse é um dilema que nem o cinema pode resolver, uoou ie iê. E o papel, e a caneta, e os pensamentos soltos. Amores vêm e vão, escreveu. Como num filme imagens passaram em sua cabeça, e pensou nos desamores que a vida lhe reservou. Em como num dia dá-se a vida por alguém e noutro pede a todos os santos para esquecê-lo. Nas inúmeras promessas não cumpridas. Deveriam extinguir dos rituais de casamento todas aquelas promessas, e deveria ser possível casar na igreja novamente. Ficava sempre com isso na cabeça, Deus só abençoa uma vez. Mas se abençoa não deveria acabar. O que Deus uniu o homem não separa. Separa sim, ou então Deus quase nunca uniu alguém. Bem disse quem escreveu que seja infinito enquanto dure. É, só enquanto durar. Bem disse também quem escreveu que é melhor sofrer junto que viver feliz sozinho. Era isso ou o contrário. Nunca concordou totalmente com a afirmativa. Mas você pode ter certeza de que seu telefone irá tocar em sua nova casa que abriga agora a trilha incluída nessa minha conversão. E mesmo talvez não houvesse conversão. E em segundo lugar mesmo talvez o telefone não fosse tocar. E nem houvesse segundo sol. Foi, pois, assim que descobriu que o amor sempre reaparece. Surpreendeu-se refletindo que teria que conviver com isso continuamente. Com brusca rigidez tentou parar de pensar e embolou o papel que a pouco rabiscara algumas poucas palavras. Mas a caneta continuou na mão e os pensamentos continuaram soltos. Para essa doença não há cura, afinal .


♪ Ando meio desligado
Eu nem sinto
Meus pés no chão
Olho, e não vejo nada

Eu só quero
Que você me queira...

domingo, 12 de dezembro de 2010

• um ponto oito

Durante horas inteiras dividia-se em repetidos gestos de mudanças de livros. Ligou a TV, talvez em meio a diversos desastres arranjasse algo que realmente valesse a pena assistir. Controle remoto, remotocontrole. Na mudança quase automática de canais percebeu que os noticiários se repetiam. Anunciaram que o mundo ia se acabar. Como perder tanto tempo lendo diversos livros que não teriam serventia prática, já que foi noticiado que o mundo iria se acabar? Na confusão que se seguiu a notícia, pode ouvir alguns gritos, provavelmente de pessoas agora desesperadas, como se viver não fosse desesperador o bastante. Morrer, fosse talvez mais fácil - pensou. Mas disso ninguém queria saber. Nenhuma pessoa se espantava com as mortes noticiadas, com os diversos incêndios, milhares de animais mortos, milhares de corpos. Na casa do vizinho, do outro lado da rua, não importa o que acontece. Mas o mundo ia acabar, e o mundo também era ele, e ela. O que fazer então ? Quanto tempo as pessoas teriam? Os mais religiosos sem dúvida esperavam pela volta de Cristo, ou sabe-se lá de quem, o narrador aqui não entende de religiões. O modo e a hora, eram um mistério, ou talvez tivessem dito ao final da reportagem, que passou na televisão que ela desligou logo após saber o mínimo da notícia. Ver aparentemente tão claro o destino não era de todo ruim, ainda que as diversas linhas telefônicas estivessem congestionadas por ligações de pessoas pedindo perdão até para o porteiro do prédio, por aquele dia que nem mesmo o porteiro se lembraria. Ela não, não queria saber de perdão, nem de culpa. Sabia que se ligasse o som não encontraria nenhuma rádio com música decente, talvez não encontra-se sequer uma rádio. Lembrou-se de seus últimos meses. Os amigos que não mais ligavam – não que fosse sua culpa - as horas jogadas fora que não mais existiam. Como estaria seus melhores amigos agora ? Melhores ? Lembrou-se de algumas discussões, e daqueles caminhos que não mais se cruzaram pela falta de tempo, e de coisas em comum. E de todo o seu coração que não estava morto pela falta de amor, mas pela falta de alguém que realmente quisesse compartilhar, e sendo assim já não compensava mais viver. Pela primeira vez sentiu medo.


Olhei a cidade
Olhei pro meu carro
Voltei a correr
Pensei em fugir
Quis não mais viver ♪